Hoje é 25 de abril de 2020, sábado. Alta Pandemia de Covid 19. Uma manhã de céu azul magnífico e infinito. Temperatura aprazível. Reina um agradável e gracioso silêncio, entrecortado apenas pelo canto dos pássaros e pelo som longínquo de uma motosserra. Contudo, inesperadamente, este cenário é invadido por uma vóz próxima, cantada, pausada e monótona. Escuto o “Homem da Vassoura” anunciado o seu produto daquela forma peculiar que, talvez, a maior parte de nós conhece desde a infância: Óóóóólha a vaaassoooura… Óóóólha a vaáaassoooura…
De pronto me pergunto: O que isto significa? Estaria ele anunciando o final da quarenta? Ou apenas enfrentando o seu temor com a sua ousadia, se enchendo de coragem? Ou será que a sobrevivência o faz se arriscar? Ou será apenas a retomada mecânica da vida cotidiana? Ou quem sabe a síntese de tudo isto?
Ao me fazer todas estas indagações, me veio de súbito à memória a imagem do Guardião dos filmes medievais. Aquele Soldado que realiza a ronda noturna carregando na mão uma espécie de lampião proclamando, numa vóz arrastada e monótona, a sentença das horas: São oito horas e tudo está bem, são nove horas e tudo está bem, são dez horas e tudo está bem…
Saberia o “Homem da Vassoura” o que está acontecendo a sua volta e no mundo? Estaria sendo tocado psiquicamente, emocionalmente pela pandemia? Isto teria algum tipo de impacto sobre o seu Ser? Estaria ele aprendendo ou refletindo sobre a sua própria existência? E o “Homem da Motosserra” longínqua? Quantas árvores antigas e frondosas estariam sucumbindo diante de seus pés e através de suas mãos? Isto significaria algo para ele? Seu trabalho? Sua sobrevivência? Meramente um fazer? Teria ele medo do Covid ou se sentiria imune por estar realizando a sua lida em espaço aberto? Muitas perguntas que permanecerão apenas como perguntas…
Hoje é dia 18 de junho de 2020, quinta-feira. Ainda estamos às voltas com o Covid 19, num mar de incertezas e com medos crescentes em muitas mentes e corações. Sorrateiramente, um cáos social, emocional, espiritual e relacional começa a se expandir. Paira no ar uma densa cortina de apreensão.
Curiosa e repentinamente, como que num rápido flash, o “Homem da Vassoura” novamente se apresenta para mim, não mais como um Ser que concretamente atravessa o meu caminho e sim como uma memória significativa com novas indagações: O que, de fato, estaria ele anunciando? Travessias? Nos chamando a atenção para algum fato de singular relevância? Nos dizendo que está expirando o tempo de redimensionamentos em todos os âmbitos?
O que será que ele aprendeu neste período? E nós? O que aprendemos? O que emergiu individual e coletivamente que nos fará saltar para outro patamar de consciência? O que se tornará apenas uma memória passageira, destituída de qualquer reflexão? O que será uma História para se contar? E aqueles que, por diferentes razões, tiveram o “privilégio” de passar incólumes por este processo, que não tiveram suas vidas dramaticamente marcadas pelas dificuldades deste momento? Passaram por quais experiências e reflexões?
Muitas indagações, poucas respostas.
A única coisa que eu sei com clareza é que o “Homem da Vassoura” não mais fez a sua ronda habitual. Teria ele sucumbido física ou emocionalmente ao Covid 19?

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