Sob olhares atônitos, testemunhei esta semana um episódio que me provocou um misto de reflexão e acentuada preocupação.
Estava fazendo uma refeição em um Café quando, inesperadamente, o agradável som ambiente do espaço cedeu lugar a uma voz feminina desesperada, em verdadeiro pânico que dizia: “A máscara, a máscara, a máscara. Você está contaminando todo mundo. Chame a polícia. Chame a polícia.” Não havia absolutamente nenhuma dúvida em sua sentença! Para a percepção da Moça a pessoa que se aproximava dela, recém tendo se levantado de uma das mesas e que se dirigia ao caixa sem, ainda, ter colocado a sua máscara, inegavelmente, estava contaminada e, portanto, indubitavelmente, era um perigo real e iminente. Levantei o olhar na direção aonde tudo acontecia e me deparei com uma moça elegantemente vestida e com um rapaz que silenciosa e resilientemente “vestia” a sua máscara. A Moça aparentava ser alguém com muito poder aquisitivo e, possivelmente, academicamente bem formada. Ao testemunhar tudo isto, de pronto, instantaneamente, me veio à mente a constatação de que quando Phobos e Deimos (divindades Gregas) se apossam de nossas mentes, corações e vísceras a fina camada de verniz civilizatório se dilui deixando emergir toda a nossa condição de seres naturais em processo de autopreservação. O aplicativo evolutivo chamado Razão, Discriminação, que propiciou os primeiros passos em direção à construção do Homo Sapiens, naquele momento se diluiu por completo. A moça, de fato, psiquicamente “viajou” instantaneamente para trás no tempo. Retrocedeu milhões de anos e foi visitar os nossos ancestrais mais remotos que viviam basicamente em continuado estado de alerta para garantir a sobrevivência. Nem mesmo a sua possível bem estruturada condição racional moldada pelos processos acadêmicos e nem a sua condição social relativamente blindada a protegeu de Phobos e Deimos…
O que subjaz a este contexto e é preocupante? É algo sutil, insidioso que emerge da exacerbação de fatos reais e que lenta e quase que invisivelmente vai nos “possuindo” e nos governando. No presente momento qual o fato real em se tratando de evento coletivo? A Pandemia. O que emerge deste fato? A certeza de que todos são meus inimigos, pois, a qualquer momento, podem me levar ao colapso biológico, ou seja, à morte. Nesta linha de raciocínio, de que todos são meus inimigos, consciente ou inconscientemente, subjetiva e concretamente, nos sentimos num campo de guerra e, sem saber, acordamos em nosso Psiquismo um Panteão de deuses esquecidos, aparentemente vencidos pela Razão.
Como estes deuses retornam do mundo subterrâneo de nossas memórias? Pode ocorrer de diferentes formas e por diferentes motivos. Contudo, neste momento, devido a intensidade das emoções de medo que Mundo experiência, acordamos o grandioso deus da Guerra Ares (Marte) e seus dois filhos gêmeos Phobos e Deimos em nossos corações e em nossas mentes (Mitologia Greco Romana). Para vencer seus inimigos nas batalhas, Ares contava com o auxílio de Phobos que inoculava nos corações e mentes dos inimigos a covardia e o medo que fazia com que fugissem do campo de batalha, enquanto que seu irmão Deimos injetava o terror fazendo com que as tropas inimigas abandonassem a formação, que propiciava a coesão, a estrutura e a força de seu exército, e fugissem aterrorizados e desordenadamente. Para tornar a situação mais dramática ainda, Ares também conseguia levar consigo para as batalhas suas duas poderosas irmãs: Eny, a deusa da Guerra e Eris, a deusa da Discórdia.
Uma vez que, pelo menos a princípio, estes deuses Gregos são personificações das emoções mais primárias e desgovernadas que assolam o psiquismo individual de toda a vida no planeta (Seres Naturais e Humanos), a questão, por excelência, é: quantos de nós sobreviverá lucidamente, sem colapsar em algum grau, a esta “Guerra” chamada Pandemia – Covid 19? E o que ocorre quando estes deuses (personificações de temas repertório da vida) escapam do psiquismo individual e tornam-se uma “legião”, uma certeza concreta e coletiva na vida cotidiana de todos? Ou seja, quando não mais são tão somente habitantes de um mundo psíquico e migram como personagens vivos e concretos para a vida cotidiana? O que pode se desdobrar deste fenômeno de extravasamento de uma realidade psíquica para uma realidade concreta? Infelizmente, desequilíbrio seguido de barbárie.
Para que possamos assimilar esta primeira parte do fenômeno psíquico que ocorre quando experenciamos algo tão extremo como o que ora vivemos, a diferentes faces de uma pandemia será abordada em nosso artigo de quarta-feira.
Em continuidade ao nosso texto anterior, As múltiplas faces de uma Pandemia, incluiremos em nossas reflexões mais um personagem interessante: o deus Pã. Agora temos um Panteão (Templo de todos os deuses) de peso “acordado” e em movimento dentro de nosso psiquismo. Sobreviveremos? Quanto de pressão conseguimos suportar antes de estilhaçar a nossa estrutura mental emocional?
Pergunta de delicada resposta uma vez que nós sabemos, prevalentemente, em épocas de adversidade. Como diria o extraordinário sábio Confúcio: “A adversidade revela o homem para si mesmo”! Contudo, podemos arriscar a dizer que os Seres que conseguem administrar mais apropriadamente as crises são aqueles que, em épocas de tranquilidade, trabalham fortemente sobre o seu próprio progresso psicológico emocional. Considerando que poucos de nós assim procede, existe uma grande probabilidade de um número considerável de pessoas sucumbirem de forma irremediável, um outro tanto ficarem aprisionadas em um permanente estado de alerta e em prontidão de autopreservação. Uma outra parcela de pessoas, também tocadas pelo fenômeno coletivo, se sabendo alcançadas e feridas pelo medo, escolherão um relacionamento discreto e cauteloso com o mundo, sobretudo, com as pessoas e, um tanto processará os efeitos adversos desta grande experiência e a superará. Por esta razão, a otimista ideia de que esta Pandemia transformará para mais a todos, infelizmente, não confere com a realidade.
Quando um fato real existente é proclamado de forma extrema, excessiva, continuada, crônica, gera uma espécie de “verdade” absoluta e inescapável. Em outras palavras, quando algo é demasiadamente descomunal, maior do que os recursos individuais de resoluções, colapsa o sistema, rompe os delicados fios de segurança psíquica que conseguimos tecer ao longo de nossa existência individual. Mais frágil ainda ficam as referências de segurança quando os “Grandes Protetores” coletivos (Aqueles que tomam as decisões por todos) também encontram-se com dificuldades de discernirem com clareza os caminhos mais apropriados. Quando tudo acontece desta forma, ou seja, quando todos carecem de algum grau de sabedoria para conduzir processos complexos, todos “pagam” o preço pelo desconhecimento…
É por esta grande brecha de desconhecimento, medo, exacerbação de fatos reais que emergem, que escapam das profundezas do terreno arqueológico psíquico, os poderosos deuses Pã, Phobos e Deimos e, “emergindo” nos governam fazendo desaparecer para sempre ou temporariamente o nosso discernimento, a nossa emergente consciência individual. Este singular Aplicativo, a nossa consciência individual, é o fiel da balança entre emoções irracionais, arcaicas, diluidoras da discriminação e a possibilidade de, num ato de percepção sensível seguido de ação discernida, “escapar” do fascínio que provém das forças arcaicas, não humanas, que habitam as profundezas de nossas memórias.
No próximo texto, versaremos sobre o movimento dos deuses Pã, Phobos e Deimos em nosso psiquismo. Lembrando que diferentes épocas históricas nomina as expressões que emergem de nosso mundo psi de forma muito particular, torna-se relevante enfatizar que o que é conhecido por “deuses” na Mitologia Greco Romana, é denominado em tempos atuais de emoções desagregadoras ou emoções diferenciadas que nos governam promovendo equilíbrio ou desequilíbrio em nosso sistema psíquico. Em outras palavras, deuses são personificações do vasto repertório emocional que expressamos na vida cotidiana.
Nos dois artigos que antecedem a este fizemos um preâmbulo acerca das poderosas forças arcaicas, antigas, que governam o nosso psiquismo, sobretudo, em momentos de grande pressão psicológica.
Em circunstâncias desta natureza, um mecanismo de autopreservação muito peculiar é acionado. Dito em outras palavras, quando existem situações desconhecidas em tempo real, porém, de grande relevância e sentimo-nos sem recursos de resolução, ocorre um movimento muito singular dentro de nosso psiquismo: nossa percepção retroage, ou seja, se não temos respostas à frente, as buscamos atrás, em memórias ancestrais. Não somos nós que “escolhemos” que seja desta forma. São mecanismos inteligentes que governam a vida e que “sabem” que estamos aqui hoje porque sobrevivemos a milhões de perigos indizíveis. Se sobrevivemos (enquanto Vida no Planeta) alguém tem a resposta de como fazer isto acontecer. Este “alguém” existe em nossas memórias mais remotas, em nosso terreno arqueológico psíquico. A grande questão, no entanto, é que “aquele” que em nós “sabe” arcaicamente tem um agir que não condiz com a nossa condição de Sapiens porque viveu em outro momento histórico muito remoto e sua forma de responder aos perigos não condiz com o momento civilizatório no qual nos encontramos.
Sim. Já existiram muitas outras formas históricas válidas e efetivas, distintas das que temos hoje, de se conceber o Universo, Deus e o Homem. Cada uma destas visões, governadas pela variável “Tempo”, está circunscrita à mentalidade de uma época e, a princípio, é semelhante a um quadro pintado que ficou estático em nossa memória. Poucos são os Seres que conseguem sentir estes degraus históricos como um continuum, como as preciosas pérolas contidas no fio da Vida que carrega o Majestoso Chronos. Por esta razão, a maior parte de nós desconhece o como se apropriar e o como atualizar as experiências anteriores em tempo real para gerar um continuado, ininterrupto e criativo movimento existencial. Este fato poderia ser resumido numa ideia que muitos já conhecem: acolher respeitosamente o que já foi, aprender com todas as experiências do “passado” e avançar diferenciadamente, seguir em frente com um profundo sentimento de gratidão pelos que nos antecederam e com renovadas percepções e insights apropriados, acerca do saber já conquistado, para a época em que vivemos.
Considerando esta premissa, é de fundamental relevância conhecermos a percepção de Homem e de Mundo daqueles que nos antecederam para que possamos fazer processos de atualização e agilizarmos tanto o avanço dos Conhecimentos, bem como de respostas apropriadas para os dilemas universais que nos assolam desde sempre.
Para tanto, precisamos “saber” que desde que o Universo veio à existência Ele é “sustentado” por “Algo”. Este “Algo” recebeu os mais diferentes nomes, na mais diferentes Épocas Históricas do Planeta. Já foi chamado de “deuses”, “Forças”, Princípios Governantes, Leis, que regem a Vida em todas as suas esferas. Recebeu Nomes e Formas para que pudesse ser percebido pelos nossos sentidos, pois, somente desta forma podemos, em algum momento, chegar a conhecê-lo empiricamente (sentir seus efeitos concretos sobre a nossa vida cotidiana) uma vez que o que não percebemos nos é dado por inexistente. Mas para que conhecer? Para que minimamente tenhamos algum grau de governo sobre a ação destes deuses, Forças ou Princípios sobre a nossa existência. Se os conhecemos, em algum grau, também, em algum grau os manejamos e os vencemos. Se os desconhecemos eles nos governam completamente e adquirem caráter de possessão, de uma prisão inescapável. E assim era quando o Homem incipiente tinha uma visão mítica do Mundo, de um Mundo completamente governado por deuses e demônios e ficava completamente à mercê dessas poderosas Forças que desconhecia.
Enquanto o Homem “entendeu” estas Forças como “deuses” as serviu de forma inescapável e o registro deste período de existência da Humanidade Nascente está contido em todas as Mitologias do Mundo. A percepção nesta Época era: “os deuses são maiores do que Eu, se são maiores me governam e Eu devo render-lhes Graça para não ser destruído, portanto, devo honrá-los e servi-los independentemente de minha vontade. Eu não os penso, eu os sinto governando a minha existência”. Contudo, como Chronos e Kairós tecem juntos o Fio da Vida de forma ininterrupta, sem lacunas, criando graus cada vez maiores de complexidade e sofisticação no ato de existir, o psiquismo fez um “salto” e começou a se indagar acerca destas Forças Governantes. No ato de indagar, o Homem começou a dar formas e nomes para o que sentiam (primeiro ato de conhecer: perceber e nomear) e a partir de então os Seres de cada Época, por terem adquirido algum grau de autonomia psíquica, iniciaram um “processo de escolha” de a qual Princípio serviriam. Curiosamente, formas e nomes são construções necessárias para o ato de conhecer, para se fazer cumprir desígnios e metas de um determinado momento histórico do Planeta, contudo são transitórios, são filhos de uma das Faces do Tempo e estão a serviço da expressão do grau de percepção psíquica, de consciência, possível para uma determinada visão de homem e de mundo. São essenciais, porém, não eternos.
Atualmente, com o advento do aplicativo Razão e com a estruturação da Ciência, as personificações mitológicas foram renomeadas e receberam o nome de Leis Universais ou Princípios que governam e estruturam o Universo. Em tempos idos, os Sábios, “intuíram” sobre a existência de Princípios Governantes, Regentes da Vida. Hoje, à semelhança dos Sábios antigos, a Ciência “descobriu” cognitivamente a existência de uma “Ordem Natural” e “Cósmica” de todas as coisas e, motivos relevantes, para se zelar pelo equilíbrio desta “Ordem”.
Uma vez posto todo este movimento histórico de forma resumidíssima, só para contextualizar, faz-se necessário retornarmos ao objeto de nosso artigo: As Diferentes Faces de Uma Pandemia e o que nos acontece sob o efeito de suprema pressão psicológica que nos imputa riscos à integridade física ou psíquica.
Rapidamente havíamos mencionado que sob o efeito de uma desmesurada pressão o nosso psiquismo retroage e “lê” o mundo de uma forma arcaica, antiga. É dentro desta perspectiva que podemos dizer que o Panteão dos deuses de todas as Mitologias do Mundo acordaram neste momento histórico que estamos vivendo e estão nos assombrando e nos governando em diferentes patamares. Então, vamos retomá-los para conhecê-los e os conhecendo termos um tantinho de governo, lucidez e equilíbrio dentro e fora de nosso Ser.
Iniciaremos por Pã. Curiosa a etimologia de seu nome, embora incerta. A princípio, significa “todos”, porém, também está associado a “Pa – Panis – Pão”. Seria alimento para Todos? Se sim, qual a natureza, a substância deste “alimento”? Na medida em que é associado ao Mundo como um Todo, visto que é a representação daquilo que se entende por Natureza e Universo em seu estado emergente, podemos inferir que o primeiro alimento da Vida é a própria Vida em seu estado Natural e Bravio, Crú. A partir desta leitura, podemos entender que Pã é a reminiscência, a memória, o símbolo e a ação concreta do Mundo dos impulsos desprovidos de consciência, onde prevalece as emoções mais básicas da Vida. Personificado em uma imagem, sua aparência infunde medo, pois, é metade bode, com cascos e metade humano, porém, com chifres. É o deus Grego da Vida Selvagem, da Natureza, dos Bosques, da Fertilidade e da Sexualidade. Com o final da Era Mítica e com o advento do Racionalismo Grego, seguido pelo nascimento do Cristianismo, Pã deixou de ser a representação das Forças Bravias da Natureza e recebeu uma nova “personificação”: tornou-se o Diabo que deveria ser combatido através dos flagelos do corpo para que a Alma pudesse ser salva! E assim, reprimindo esta Natureza nos porões de nosso psiquismo (e talvez tenha sido necessário que assim o fosse) perdemos, naquele momento, a oportunidade de conhecer e domar esta poderosa força dentro de nosso Ser. Talvez seja por esta razão que de tempos em tempos os “demônios” escapem: para nos oferecer a oportunidade de desta vez fazer diferente, ou seja, ao invés de reprimirmos, alquimizarmos estas poderosas forças e colocá-las a serviço do Ser.
Phobos (Medo) e Deimos (Pânico), são outras duas Forças de singular poder que dormita em nosso psiquismo. Uma vez acordados dentro de nós, como citado no artigo anterior, inoculam em nossa Alma a covardia e a fuga dos campos de batalhas (adversidades existenciais) tão necessários à superação de nossas debilidades.
Eny (deusa da Guerra) e Eris (deusa da Discórdia) são os nossos estados arcaicos de prontidão emocional para o ataque a qualquer experiência (fatos ou Seres) que seja distinta de nosso repertório de crenças e/ou riscos à integridade física ou psíquica. Sua força e sua ação são intensificadas em épocas de grandes adversidades.
As Erínias ou Fúrias, são deusas extraordinárias do ponto de vista psicológico. São tão velhas como as ações que “observam” e “balizam”. São Elas (os Princípios, as Leis) que “garantem” o avanço moral humano. Ao mesmo tempo que são tidas como as “castigadoras” dos delitos contra a Vida, também são nomeadas como as deusas Justas uma vez que só devolviam ao homem o fruto correspondente às suas próprias ações! Nem mais e nem menos. Justas e implacáveis não se deixavam abrandar por sacrifícios propiciatórios, nem suplícios de nenhuma natureza. Não levavam em conta atenuantes (as famosas justificativas de fiz isto por causa disto) e colocavam o justo limite em toda ação “humana” contra a Sociedade (Coletivo) e a Natureza. “Corrigiam” também a violação dos rituais de hospitalidade, posto que neles estão assentados todos os processos civilizatórios.
De forma mais enfática, ainda, “atuavam” sobre todos os crimes contra a Família uma vez que esta é o primeiro e o mais privilegiado locus de exercitamento da dimensão psíquica conhecida como Homo Sapiens. Neste sentido, podemos entendê-las, numa linguagem atual, como Princípios Civilizatórios. Traduzindo tudo o que foi dito acerca delas, podemos sintetizar na seguinte ideia: São Princípios ou Leis Universais que “garantem” que o homem não retorne psiquicamente e nem em termos de ação no mundo à condição de Natureza meramente instintiva, básica, pois, isto implicaria na diluição de tudo aquilo que conhecemos como Espírito e construção Humana no Planeta. Se os parâmetros civilizatórios fossem transgredidos em demasia, seria o verdadeiro caos, inviabilizaria a nossa existência enquanto raça no Planeta. São forças equilibrantes que asseguram a continuidade da consciência diferenciada nascente no mundo. Por esta razão, estas Leis ou Princípios são entendidos como Forças Inteligentes e Vivas que velam e zelam pelo Equilíbrios em todo o Universo. Em sua condição de deusas Justas ou Benévolas, recebiam o nome de Eumênides, as Bondosas. Na Arcádia havia dois Santuários consagrados a elas. Um para seu aspecto de Lei (Erínias) outro para a sua face benévola (Aquela que modula e educa os instintos bravios no homem) onde se celebra culto das Graças e do Perdão.
Tisífone era considerada a “vingadora” dos assassinatos e homicídios, principalmente dos praticados contra pais, irmãos, filhos e parentes (desagregação familiar). Açoitava os culpados enlouquecendo-os. Megera personificava o rancor, a inveja, a cobiça e o ciúme. “Castigava” principalmente a traição dos vínculos afetivos. Agia de forma a fazer o infrator fugir eternamente, gritando ininterruptamente em seus ouvidos as faltas cometidas. Alecto, a implacável e eternamente encolerizada, encarregava-se de “castigar” os delitos morais como a ira, a cólera, a soberba… Era a Erínia que espalhava as pestes que contaminam o mundo e as maldições. “Perseguia” o infrator sem parar, ameaçando-o com fachos acesos e açoites e não o deixava dormir em paz. Hoje entendemos os “castigos” e as “perseguições” das Erínias como “peso de consciência”, “ressaca moral” pelas ações impróprias cometidas por um Humano e que gera “depressão”, tristeza profunda, ansiedade, fobias, medos…
Uma vez estes Princípios ou Leis Universais (deuses na Era Mítica) tendo estabilizado minimamente o processo civilizatório do ponto de vista da moral, ou seja, gerado um repertório humano básico, emerge um segundo desafio igualmente relevante: conter o Processo de Inflação que igualmente coloca em risco o equilíbrio de todas as coisas. Com isto, “nasce” uma nova visão de homem e de mundo. Já não mais somos seres tão desprovidos de razão e discriminação. Através da repressão dos instintos bravios pela moral fomos elevados à condição de imagem e semelhança de Deus. Com o advento da Razão fomos chamados de Homem para que houvesse uma distinção entre nós e os seres da Natureza. Conquistamos então a condição de “à imagem e semelhança de Deus” e, logo em seguida, o título de Homem Sábio (Homo Sapiens) para nos distinguir dos Seres da Natureza e de nossos ancestrais humanos (Homem das Cavernas), com isso, aumentou também a nossa responsabilidade diante da Vida.
Contudo, considerando a forma como pensamos e agimos no mundo, tudo indica que nos foi ofertado antecipadamente estes títulos em sinal de confiança. Sim, em sinal de confiança de que poderíamos trabalhar para fazer prosperar o germe de Humanização contido na Alma da nova espécie nascida no mundo: Nós. Lembrando que absolutamente tudo na Terra é processo de construção, o já iniciado movimento de Humanização estava se estabelecendo, ou seja, ainda não estava concluído e parece que, até o presente momento, conseguimos cumprir, apenas metade da equação. Nos tornamos, com certeza racionais (e, talvez, até demais), contudo, ainda, não Sábios. E para que não tenhamos nenhuma dúvida acerca desta questão, é suficiente observarmos como agimos, sobretudo, em períodos de grande pressão e adversidade.
É de suma relevância enfatizar que o fato de acreditarmos que já completamos o ciclo de construção de nossa humanidade, que já estamos consumados no estágio de Sapiens, nos coloca em uma condição tão temerária quanto a transgressão de valores morais que nos devolve a um parâmetro de irracionalidade. O perigo agora para a nossa humanidade nascente é a Inflação, ou seja, acreditando já sermos Homem Sábio pleitearmos a condição de imagem e semelhança com Deus. É este agir que nos coloca em estado de Inflação: acreditarmos que já somos aquilo que ainda não somos, tomarmos para nós poderes e condições que ainda não nos pertencem. Agindo desta maneira cessamos o processo de efetivamente trabalharmos o embrião de humanidade para que ele possa alcançar a sua maturidade e efetivamente se expressar. O que decorre disto? Um Ser ainda muito instintivo, em permanente estado de prontidão para o ataque e a destruição, fantasiado de Humano virtuoso!
Quando isto ocorre, por medida de segurança em relação ao caos, outra instância do nosso psiquismo é ativada: a deusa Nêmesis. Ela nos “retira” da condição de inflação (hybris ou Húbris) e nos devolve para o âmbito da humanidade ainda em construção. Nos possibilita o redimensionamento e a continuidade de existir no âmbito humano. Nêmesis transita entre a “Terra” e o “Inferno” para velar pelo equilíbrio entre as forças infernais e celestes, para assegurar que a desmesura nascida do instinto cego e imperioso de poder não dilua a razão e a consciência nascente. Ela faz acontecer de forma apropriada a execução das Leis IMPRESCRITÍVEIS da Justiça. Invocada nos Tratados de Paz, era ela quem mantinha a Fé Jurada, quem vingava a infidelidade das promessas, quem recebia os juramentos secretos, fazia curvar as cabeças dos orgulhosos, tranquilizava os humildes e consolava os amantes abandonados. Pousando um dedo sobre a boca, segurando um freio ou aguilhão, dava a entender que a todos recomendava a discrição, a prudência, a moderação na conduta, o mesmo tempo que excitava ao bem.
Sintetizando, as Erínias atuam sobre o nosso psiquismo fazendo emergir a consciência coletiva, ou seja, a percepção de que existimos como raça e estabelece os princípios morais básicos (como por exemplo, os Dez Mandamentos) para assegurar o estabelecimento do avanço evolutivo da Vida e Nêmesis corrige os excessos, a inflação psíquica, mantendo-nos na condição de aprendiz humano.
Vamos conhecer um pouquinho deste fenômeno chamado Húbris ou Hybris. Ele nos fala do exagero, de tudo que passa da justa medida. Dito de outra forma, Hybris pode ser entendida uma como confiança excessiva em si mesmo, arrogância, orgulho, exagerada presunção, descomedimento, arrogância, falta de domínio sobre os próprios impulsos, uma emoção descontrolada inspirada em paixões exageradas e de caráter irracional quando somos contrariados, insolência que pode fazer naufragar a nossa condição de Humanidade em construção. Opõe-se a Sofrósina, a virtude da prudência, do bom senso e do comedimento. A Hybris é algo tão relevante que está diretamente vinculada às Moiras. Ou seja, quando iniciamos um processo de inflação, da perda da medida apropriada ao Homem as acordamos em nossas Vidas e fazemos girar de forma dolorosa a Roda da Vida. São definidas como as Leis que regem, que governam o Destino, sendo o Destino compreendido como parte, lote e porção simultaneamente. Parte, lote e porção exatamente do quê? Das ações que realizamos, pois, tudo o que oferecemos ao mundo nos retorna de conformidade com as repercussões que provocou no próprio Mundo. Através dos movimentos que realizamos, as Moiras movem a Roda da Vida (Timão da nossa existência). O Timão pertence a deusa Fortuna e se move de conformidade com o movimento que nela imprimimos (somos nós que o movemos, consciente ou inconscientemente). Contudo, desconhecemos que na maior parte das vezes nos movemos por impulsos e memórias ancestrais, coletivas. Em outras palavras, geralmente, as nossas ações não são frutos de nosso querer discernido e sim reações instantâneas, irrefletidas, impulsos reativos ao que nos sucede em cada momento. Mesmo em assim sendo, não nos é possível nos furtarmos de experenciar, em nossas vidas cotidianas, os desdobramentos do que realizamos. Curiosamente, reagimos o tempo todo e não queremos administrar os resultados do que provocamos em nossa própria existência e no mundo. Outro grande fator desconhecido por nós é que quando um Princípio ou uma Lei Universal é colocado em movimento, só cessará sua ação quando governarmos o movimento que iniciamos e imprimirmos outro na Roda da Vida. Uma direção iniciada, não importa se consciente ou inconscientemente, só é mudada por um ato de Vontade Consciente (não confundir com percepção cognitiva). A isto desconhecendo, nasce a ideia de um “destino imutável”. Só é possível entendermos o destino nesta perspectiva (de imutável) porque desconhecemos que somos nós mesmos que colocamos em movimento a maior parte de todas as coisas em nossas vidas. Na medida em que somos nós, a qualquer momento podemos mudar o movimento da Roda da Vida, porém, trabalhando os efeitos causados por nossas ações quer seja sobre nós, quer seja sobre o mundo. A nós cabe a responsabilidade de processar, de transformar a parte, o lote, a porção de movimento que fizemos acontecer. As Moiras, neste sentido, são as Leis ou Princípios Governantes responsáveis por tecer e cortar o “fio da vida” de todos os seres. Seu tear é a Roda da Fortuna. O destino é o lote, a parte de felicidade ou infortúnio, de vida ou morte, que corresponde a cada um em função da relação que temos com os “deuses”, com os homens e com o Sagrado. O castigo (assim é sentido) para a Hybris é Nemesis que tem como efeito fazer o indivíduo retornar aos limites que transgrediu. Transgredir interfere na harmonia do Cosmos e pode gerar caos, desconstruindo todo um degrau evolutivo estruturado a duras penas por esforços e vidas. Isto não é permitido pelos Princípios que regem a Vida.
São as Moiras: Cloto que é responsável por fiar. Segura o fuso e tece o Fio da Vida. Cada atitude que tomamos é um “ponto” que fazemos acontecer no tricô de Cloto. Atuava como a deusa dos nascimentos e dos partos. Láquesis sorteava os resultados das ações, ou seja, fazia coincidir as nossas ações com os resultados acontecidos em função de sua realização (à semelhança de quando jogamos na Loteria e os números coincidem com o resultado sorteado e nos é destinado o valor correspondente). Em algum momento, inevitavelmente, a nossa cartela será sorteada… Esta é a Lei da Correspondência que a todos governa. Puxava e enrolava o fio, sorteava o quinhão de atribuições que se realizava em vida. Átropos encarregava-se de, gradualmente, afastar o nosso atuar sobre o mundo através da decrepitude que nos paralisa, que restringe os nossos movimentos e as nossas ações, uma vez que ao envelhecermos diminui as nossas possibilidades, no espaço tempo, de redimensionar o fruto de nossas ações. Não poderia jamais anular a tarefa que cabe a Láquesis cumprir que é “sortear” (fazer coincidir nossas ações com o que delas resultam e ressignificá-las). Cortava o fio da vida. Determinava o fim da vida. De forma extraordinária e inequívoca, as Moiras, as Erínias e Nêmesis evidenciam com total clareza que não são dos fatos em si que somos prisioneiros e sim das repercussões dos eventos acordados psiquicamente dentro de nós e no mundo quando agimos. Por esta razão, o que nos transforma e transforma o mundo, é a habilidade de percebermos os desdobramentos de nossas ações ao agirmos e processarmos conscientemente os efeitos acontecidos. Somos responsáveis diretos por tudo que realizamos. Não há qualquer casualização ou justificativa, por mais coerente e lógica que nos pareça, que nos absolva dos frutos de nosso agir. Em assim sendo, torna-se imprescindível conhecermos o Pan Metron, a justa medida de todas as coisas (Nunca Demais, nem para mais e nem para menos) para podermos agir com algum grau de Sabedoria minimizando o máximo possível os infortúnios gerados por nosso desconhecimento, apego e aversão. Finalizando, o que tudo isto tem a ver com as diferentes faces de uma pandemia? (Ufa! Enfim chegamos ao ponto). Mefistófeles dialogando com o Altíssimo (em Fausto de Goethe) tem uma fala memorável. Nos diz: “Uma verdade e mil ilusões, assim se constrói uma grande armadilha”. Qual a “verdade” que assola a humanidade neste momento? A Pandemia do Coronavírus, o Covid 19. O que esta Pandemia tem provocado nos corações, mentes e vísceras? Sobretudo o acordamento do instinto de autopreservação e, em decorrência disto, um retroagir psíquico que justamente por “acordar” os deuses ancestrais (Princípios, Leis Universais em sua condição básica) faz com que nós, aprendizes de humanidade, expressamos os mais singulares padrões arcaicos de comportamento, resultando diferentes formas de reagir ao fenômeno. A estas distintas reações chamamos de As Diferentes Faces de uma Pandemia.
Alguns estão vivenciando um expressivo terror, estão sob o efeito de Phobos e Deimos. Neles foram inoculados psiquicamente a crença de que o campo de batalha chamado vida cotidiana é perigoso demais e se recolheram para o canto mais profundo da caverna e aguardam o socorro miraculoso: que a Ciência, através de alguma substância, vença o inimigo e limpe o campo de todo perigo. Enquanto isto olham o mundo de fora pelas janelas virtuais seguras (celulares, TVs, computadores…), perdendo a oportunidade de vencer, em si, os transes e a paralisia costumeira provocada pelo medo e pelas incertezas. Outros estão sob os cuidados de Pã. Escutam o som de sua flauta, sabem de sua presença embora não o veja tão proximamente. Enquanto estão transitando pela floresta durante o dia (se distraindo com as experiências da vida cotidiana) sentem-se seguros, entretanto, ao cair da noite, quando estão sós e escutam a sua flauta sem ter por perto alguém para acalmar seus medos mais secretos e os possíveis desdobramentos de seus passeios diurnos pela floresta, sucubem aos terrores noturnos.
Uma outra parte é governado por Eny e Eris. Propositadamente, ou quem sabe para exorcizar seus próprios medos, plantam as sementes da discórdia, mediante as mais variadas ações, nas mentes e emoções dos Seres. Com a sua habilidade influenciadora, propaga e faz proliferar pelo mundo afora um temor irracional que assombra as Almas dos incautos.
Uns tantos, falando em nome próprio, para salvaguardar seus interesses mais espúrios e movidos pelo desejo de poder, à semelhança de Phobos e Deimos, também inoculam o terror nas Almas Pré-Humanas. Estes, indubitavelmente, acordarão as Erínias que, em algum momento, os alcançarão… Outros, ainda, movidos pelo excesso de virtude e desejando o bem de todos, também geram prisões singulares para muitos. Estes acordam Nêmesis que os convidarão, por alguma via, a retornar para a justa medida. Poucos são aqueles que, sob os auspícios de Sophya (a deusa da Sabedoria), conseguem se mover prudentemente e auxiliam pessoas a se moverem serenamente pela via humana diferenciada, ou seja, que reconhecem as épocas de adversidade e acordam a lucidez necessária para um movimento equilibrado, seguro e transformador em momentos de perigo iminente. Infelizmente, são estes e tão somente estes que efetivamente se beneficiarão da adversidade e farão, em algum grau, transformações de relevância em suas vidas e no mundo. Isto porque, ao invés de retrocederem psiquicamente no espaço tempo e atuarem como os ancestrais, conseguiram, na crise, pensar criativamente, sentir criativamente e agir criativamente. Agregaram ao repertório da vida ancestral respostas humanas e neutralizaram sobre o seu psiquismo o panteão de deuses e demônios (emoções, Princípios, Leis) que diluem a condição de humanidade. Os demais, além, de terem que processar os danos decorridos desta atual experiência, tristemente, ainda terão que percorrer um longo caminho de aquisição de faculdades humanas. É, por todas estas razões (e muito mais), que Crise é entendida como uma mistura de dificuldade e oportunidade. Dificuldades a serem superadas e oportunidades para se fazer diferente do habitual, portanto, Crise pode ser escada para descer ou pode ser escada para subir. Em outras palavras, podemos na Crise retroagir e perder a razão, a lucidez ou seguir em frente e desbravar formas diferenciadas para responder aos desafios que nascem a cada dia.
Retomando e concluindo a fala de Mefistófeles, quais seriam as ilusões? As ilusões são as mais variadas crenças e/ou “historinhas” que uma Época (Pan = Todos) ou um indivíduo em particular constrói e “veste” um Fato concretamente existente. Estas crenças e/ou historinhas convocam a deusa Ate, a cegueira da razão, a insensatez, o engano nascido pelo excesso da verdade. Uma vez convocada, Ate (a sutileza da mente que conjectura infindavelmente tecendo os enganos) pousa em nossas cabeças sem ser percebida e faz acontecer os milhões e os turbilhões de pensamentos inconscientes que geram realidades psíquicas e que, a posteriori, se tornam “verdades” inquebrantáveis. A Moça desconhecida que deu origem a esta longa reflexão com certeza criou a sua própria “verdade” a partir de um dado concreto: O Covid 19. À semelhança de criança pequena que brinca de esconde-esconde e que quando fecha os olhos entende-se invisível para todos, Ela, muito possivelmente, entende que quando porta uma máscara é semelhante ao vestir-se de uma armadura de titânio (metal eleito por boa parte das crianças para criar armaduras de poder), nada a alcançará!!! É válido e necessário construirmos referências de segurança. O equívoco está no exagero da verdade e na exacerbação dos afetos que produzem descontrole emocional, sintomas psicológicos graves e validação de atitudes truculentas… Ela se tornou uma exímia “vigilante” daqueles que transgridem as “normas coletivas”, uma feroz guardiã dos Decretos necessários impetrados pelos Poderes Vigentes. Contudo, quem “vigia” o “Sentinela” dos Decretos de Épocas de Exceção para que, em tendo seus poderes ampliados, não caia no exagero de seus próprios impulsos incontroláveis acordados pelos terrores que o assombram a partir de dentro? O que resultará de todas estas experiências para a Memória Universal? O surgimento de um novo “Arquétipo”? Possivelmente não. O mais provável é que cada uma das experiências vividas sejam encaminhadas e salvas nos “arquivos” do temas já existentes. O quantum de medo, pânico ou pavor gerado neste momento será direcionado para o arquivo pré-existente e, seguindo esta lógica, o mesmo acontecerá com as experiências de deserção, truculência, corrupção, sentimentos de se estar em uma situação sem saída, experiências de que “nada” está acontecendo… Contudo, o mais alentador é que, também, uma experiência singular deste momento será salva na Grande Memória do Cosmos: a da Jornada do Herói, daqueles que com algum grau de Sabedoria, discernimento, coragem e confiança se moveram construindo mais um tantinho de nossa Humanidade Nascente. Ah! A propósito, hoje é dia 25 de julho, e pela manhã bem cedinho sob um infinito e magnífico céu azul, ouvi o “Homem da Vassoura”…
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